Enquanto corruptos, formadores de quadrilhas, acusados de crimes do colarinho branco, ladrões de milhares de reais dos cofres públicos são condenados, mas beneficiados por habeas corpus e outras artimanhas jurídicas ficam em liberdade e até com autorização para viajar para o exterior, um idoso foi condenado e colocado no xadrez porque roubou barras de chocolate. Precisou de uma pandemia de coronavírus para ele ser posto em liberdade.
Uma liminar obtida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), nesta quinta-feira (1/4), põe em liberdade um idoso condenado a uma pena de dois anos de prisão pelo furto de quatro barras de chocolate. A decisão, assinada pela ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), leva em consideração o princípio da insignificância – ou seja, quando a punição é desproporcional à lesão provocada pelo crime praticado.
No caso, o homem se encontrava em liberdade condicional, quando fora preso em flagrante após furtar quatro barras de chocolate, no valor de R$ 21, de uma grande loja da rede varejista. Além da insignificância do ato praticado, a Defensoria Pública chamou a atenção para o fato de o idoso fazer parte do grupo de risco do novo coronavírus.
A fim de evitar a disseminação do vírus no sistema penitenciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou recomendação aos tribunais para evitar o fluxo de pessoas nos presídios, incluindo a revisão das prisões provisórias e a adoção de medidas alternativas para os grupos mais vulneráveis à COVID-19. Ao analisar o pedido da DPRJ, a ministra Laurita Vaz destacou haver precedente para a aplicação do princípio da insignificância, mesmo para reincidentes. Ao conceder a liminar, a ministra destacou que, “a circunstância de ser a vítima um estabelecimento comercial, bem assim a natureza e o valor dos bens, os quais foram integralmente recuperados, autoriza a conclusão de que o grau de reprovabilidade da conduta é mínimo, pois não houve dano social relevante”. O defensor Emanuel Queiroz, coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública, destacou a importância da decisão. De acordo com ele, é nítida a cultura de encarceramento no Brasil quando, até mesmo por força de lei, a privação de liberdade deve ser a última alternativa.
– Casos como esse apontam para necessidade da utilização massiva de alternativas a pena de prisão, com a aplicação de penas restritivas de direitos que promovam a emancipação dessas pessoas, buscando a reaproximação com suas famílias, a qualificação para o mercado de trabalho e a regularização dos documentos, já que diversas pessoas condenadas criminalmente sequer possuem certidão de nascimento, carteira de identidade, título de eleitor, comprovante de reservista, CPF e carteira de trabalho – destacou.